quinta-feira, 23 de junho de 2011

My mathematician's apology

Não estou no fim da vida (esse é o meu palpite) mas desde já compartilho com vocês minha experiência, justificativa e motivação para estudar Matemática. Recomendo a leitura da obra que inspirou esse post: A mathematician's apology do matemático inglês G. H. Hardy .


No final do ano em que me formei (2009) encontrei esse livro no Google (resultado de uma busca quase heurística pela web). Nessa época eu já tinha construído a minha própria justificativa e sempre recorria a ela nos momentos mais difíceis do semestre (sim ... principalmente durante a época de provas). Não é fácil justificar aos amigos e parentes os cinco anos dedicados ao estudo de teorias que não pertencem ao senso comum (podem incluir nesse senso comum o conhecimento dos famigerados e mortais universitários). Geralmente quando você tenta explicar o que estuda a um não matemático você percebe quão cruel e impiedosa é a matemática: ela segrega. Não importa o quão esforçado você seja em desmistificar o assunto trocando nomes difíceis por exemplos, mostrando aplicações ou mostrando evidencias no mundo real, a imagem que sobra da conversa é que você provavelmente é um gênio. As pessoas em geral não sabem classificar um problema matemático em muito ou pouco difícil, encontrar uma solução para uma EDP ou demonstrar a Hipótese de Riemann pertencem a mesma classe de problemas. A antiga máxima que diz : em terra de cego quem tem um olho é rei continua valida, isto é, eu posso ser considerado bom em matemática porque a grande maioria é péssima.


A minha carreira foi construída baseada em uma idéia (e aí vem a minha justificativa). Eu acredito que a matemática separa o joio do trigo (ontem, hoje e sempre). Seja em vestibular, concurso publico, exames de seleção ou em situações da vida real. Existem assuntos que todo mundo sabe um pouco (não citarei disciplinas para não ser indelicado) mas convenhamos: saber o que todo mundo sabe não é diferencial nenhum ! Por isso me dediquei a estudar os assuntos comuns (o mínimo necessário) e na medida do possível me destacar em assuntos como matemática, física e computação. Saber matemática por sí só não era o meu objetivo. Eu tinha em mente usar a matemática como uma ferramenta para resolver problemas em geral, e pra mim isso define a Matemática Aplicada. Um polvo poderia caracterizar perfeitamente um matemático aplicado: um tentáculo em cada área da ciência (by Briellen)


Fora da academia, pensando agora no mundo capitalista, sabemos que um funcionário vale (em termos de remuneração) uma proporção do que ele gera de resultado ($) para a empresa onde trabalha. Uma empresa precisa de informações para tomar decisões, quanto melhor forem essas informações melhor as decisões tomadas e portanto melhor os resultados obtidos. Podemos concluir então que as empresas estão em busca de pessoas que sabem capturar informações no mercado para a melhorar a tomada de decisão e em troca disso estão dispostas a oferecer uma remuneração generosa. O matemático aplicado certamente é um candidato de peso nessa disputa. No mundo do senso comum isso pode soar estranho porque o matemático está sempre associado ao professor secundário mal remunerado, enquanto que no mundo real os matemáticos aplicados (pela definição podem ser portanto físicos ou engenheiros) estão no topo da cadeia alimentar (Oh yes, we can !). Felizmente, eu segui minha ideia até o fim e não me deixei desanimar com as dificuldades eminentes.


Existem outras motivações além das motivações acadêmicas e profissionais citadas. Certamente um matemático de deve possuir aptidão para realizar cálculos e propor soluções inovadoras para problemas diversos. Deve ainda ter disciplina nos estudos e praticar muito os cálculos. O resultado de todas motivações deve ser expresso quase como um sentimento de devoção, parecido com: calculo logo existo.


Nem tudo são flores e a matemática assim como outra carreira requer dedicação e muito esforço. A curiosidade é inata ao ser humano, toda criança tem a essência de um cientista, com o passar dos anos algumas ficam preguiçosas e passam a aceitar conclusões prontas enquanto outras seguem a vida toda elaborando hipóteses, experimentando e criando modelos próprios.


Tanto Hardy como Pinshon falam sobre o impacto do desenvolvimento da matemática no "mundo real" e no texto acima eu mencionei a dificuldade de justificar o estudo de matemática para pessoas de "senso comum". O "mundo real" é o universo (Flatland) conhecido das pessoas de "senso comum".


Interessante pensar como o uso da palavra "mundo real" pode ser distorcido: um físico ou químico estuda o "mundo real", o matemático não. Simplesmente porque a maior parte das teorias matemáticas não encontram uma aplicação nos problemas cotidianos atuais. Diversas teorias atómicas foram propostas ao longo do tempo, a mecânica clássica teve que ser remendada pela quântica e tantos outros exemplos nos mostram que os físicos e químicos estudam na verdade um "mundo imaginário", adaptado e customizado para explicar o que eles conseguem ver ou entender. Enquanto que o mundo verdadeiramente "real" é para mim, o objeto de estudo dos matemáticos: nunca mudou e nunca mudará.

Um pouco sobre o livro


Em 1940 o matemático inglês G. H. Hardy tinha 63 anos quando escreveu o célebre (no mundo nerd eu diria) livro intitulado "A mathematician's apology". Seu livro reflete obviamente uma visão sobre a matemática e os matemáticos de seu tempo no entanto alguns fundamentos do livro seguem verdade até os dias de hoje e arrebanham seguidores e leitores como eu. O livro é recomendado para matemáticos e não matemáticos mas sinceramente se você não e físico, matemático ou no mínimo engenheiro, busque outro entretenimento.


Apesar de ser um livro matemático, Hardy não abusa de definições, teoremas e corolários. Existem ao todo duas provas no livro: a demonstração da irracionalidade da raiz de dois (quase um cliché matemático) e a prova da existência de infinitos números primos. O livro é bem estruturado e logo de inicio deixa bem claro a sua intenção: justificar o estudo da matemática, nada mais. O caracter subjetivo da opinião de Hardy quase passa despercebido na construção tão precisa dos argumentos e justificativas baseados na experiência de um matemático de Cambridge do inicio do século passado. Um dos pontos centrais do livro e para mim a mensagem mais valiosa é a caracterização do que ele chama de "verdadeira matemática" e como apreçar o valor de um teorema ou de uma teoria matemática pela valor que ela agrega a outras teorias.


É simplesmente fantástica a definição de verdadeira matemática de Hardy. Não vou defini-la aqui para não tirar a motivação do leitor mas já adianto que segundo Hardy a verdadeira matemática não pertence ao senso comum, isto é, se perguntar a alguém na rua a definição de matemática e alguns exemplos onde usamos a matemática (certamente citarão as operações básicas de aritmética de coisas, porcentagem de preços, etc.) não estaremos nem perto daquilo que Hardy define como a "verdadeira matemática".


O valor de uma teoria esta diretamente relacionado com o beneficio que essa teoria traz a área em questão bem como a outras áreas da ciência. Teorias que interligam áreas normalmente revelam informações ocultas e respondem questões em aberto. Hardy em seu livro enumera algumas propriedades desejáveis de uma teoria, em especial a capacidade de ligar teorias ate então desconexas e fortalecer a matemática como um todo. Novamente, essa margem do blog será muito estreita para mostrar os argumentos de Hardy, leiam o livro.


Download: Mathematician's apology.



 
Gabriel Dias Pais

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